Hoje passei o dia com João. Estava super ausente na vida dele e o pequenino andava tristonho. Comemos, vimos filme, fizemos lição de casa e trouxe ele para dormir comigo. Antes de sair para trabalhar, ponho o rapazito para dormir.
Minha reputação no trabalho está péssima. Cheguei atrasada, faltei e ouvi porcarias de clientes porque não faço o tipo pagou-levou. Incrível! O mundo é mesmo assim e eu acho que eu não sabia. No meio desse caos, ontem tive um bom dia de trabalho. Não sei o que houve mas os bancos do balcão do bar só foram ocupados por pessoas interessantes da noite de ontem. Pessoas que pareciam vir de filmes e livros.
Um casal bebeu bastante após passar mais de cinco horas por lá. Encontraram-se logo quando abrimos as portas. Acabei ouvindo a história mais sóbria do mundo mesmo com doses de álcool. A mulher era a famosa charmosa mas não bonita, e o homem era feio mesmo, parecia ser inteligente e não usava óculos para enganar. Cada um pediu uma cerveja e, sem titubear, o assunto foi rapidamente exposto:
- Precisamos terminar.
- Concordo.
- Você busca suas coisas em casa quando?
- Quando sairmos daqui.
- Ah, pode ficar com o meu aparelho de celular, acabei de comprar um novo.
- Mesmo? Obrigada! Não sabia que você tomava Stella Artois.
- Sempre comprei Bohemia.
- Deveria ter comprado Stella alguma vez.
- No Pão de Açucar é caro e no Mercado do Azul não tem.
- Vou fazer xixi.
Isso é muito pragmatismo e sanidade ou total insanidade mesmo? Fiquei imaginando que as alianças de compromisso que eles usavam iriam presentear o lixo do bar, ou do banheiro do bar, mas não. Sairam com elas. Fiquei com essa conversa em-modo-repeat na minha cabeça. Comecei a achar que era algo moderno, mas terminei achando que era estranho mesmo. Fiz questão de fechar as portas do bar. Fui feliz comendo os amendoins que sobraram nos potinhos do balcão enquanto observava o abandono da rua e uma única janela acesa no apartamento que há em frente. Apartamento ou motel-hotel-feio-e-velho. A luminária vermelha me interessou. Alguém com insônia atrás daquela janela.
Os amendoins verdes soltaram tinta na minha mão como chicletes coloridos. Uma garota passou chorando na rua e me olhou com uma cara de desespero completo. Dei para ela os cinco amendoins que ainda sobravam e ela nem sorriu. Está difícil para muita gente sorrir. E eu saí em paz, brindando a madrugada.
VS.