terça-feira, 31 de março de 2009

Vermelho, o bar e Chloe.

João foi viajar com a escola. Me lembro de como eram divertidos estes acampamentos. Só bagunça. Ele me deixou uma mensagem no celular dizendo que ia se comportar e me trazer uma flor. Não dá para não achá-lo lindo!

Ontem fui trabalhar no bar, fazia tempo que não aparecia por lá. Deu saudade. As pessoas continuam as mesmas, ainda chegam nos mesmos horários, pedem as mesmas coisas, vestem as mesmas roupas. Mas calma, há uma novidade: uma cantora que se apresenta todas segundas e terças-feiras. Chloe. Horas antes de entrar naquele bar, ela estava na Alemanha perambulando com o seu talento. Chegou no Brasil e o apartamento onde ia ficar estava trancado. Seu amigo precisou viajar "por motivo de força maior", trancou tudo e esqueceu de deixar a chave. Exausta e sem rumo, ela foi beber whisky no bar e perguntou se podia cantar um pouco. Ninguém respondeu e ela não se intimidou. Cantou sentada no balcão mesmo. Sua voz perturbou o trabalho de todos que ali estavam concentrados. Ela recebeu um microfone e tornou-se cantora.

Cantou até o bar fechar. Saiu andando pela rua já muito escura e perguntou-me onde havia uma pensão. Nunca me dei conta que não conhecia nenhuma pensão nessa cidade. 

- Calma. Eu tenho um sofá-cama, banheiro e comida. Como não é pensão, não paga nada.
- Estou calma e tenho poucos Euros.
- Não aceito Real e muito menos Euro. O sistema não lê. 
- Obrigada. Eu lavo a louça.

Já entendi que tarde da noite ela iria cozinhar. Ou eu. Afinal, ela só disse que lavaria a louça. Chloe fez torradas com chá e propôs uma leitura de suas músicas. Eu capotei na música que falava sobre insônia. Ela lavou a louça e dormiu na luz do dia. 


VS.

domingo, 29 de março de 2009

Primeiro fim

Não tem mais vinho. Não tem mais nada.
Enforco-me na falta antes que ela me estrangule.

VS.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Desordem arrebatadora em um instante só

Aquela sala era enorme e lotada até você aparecer. Eu não podia imaginar e nem lidar com a sua presença. Não era para você ter ido. Você não deveria ter feito isso. Obviamente não fez para me machucar, e eu sei disso. Não machucou, mas perturbou. Todas aquelas pessoas que lá estavam sumiram no exato momento em que você surgiu.

A gente não se conhece. Fico confusa com o fato de um desconhecido ter o poder de me perturbar tanto, invadir minha mente e bagunçar tudo. Ai, não faz isso comigo! Entre na minha cabeça e coloque tudo em ordem. Faça um caos ordenado, serei grata para o resto da minha vida. Você passou por mim e eu notei cada passo seu. Você dá passos curtos e não pára com os pés um ao lado do outro. Tudo é um pouco desalinhado em você: a calça, os pés, o allstar e o cabelo. Será que seus pensamentos também são? Será que você pensa de forma racional? Passional?

Não posso voltar a conviver com a insônia e algo me diz que você vai me tirar o sono. Por que é assim? Se eu tivesse o seu telefone, eu ligaria e talvez você me tirasse o fôlego. Agora eu espero na sua ausência, qualquer presença. Sem medos eu me entrego aos pensamentos dilacerantes que rasgam minha mente. Sou perversa, amante e apaixonada. Posso te amar loucamente e ser boba. Entregue-se. Se eu vier a te odiar aí você decide o que faz. Mas agora, basta dar um passo em minha direção. Dar passos no escuro não é algo que te assusta. Eu só estou pedindo um. Desalinhe seus pés e deixe-me ver. Nem sempre a luz está acesa e mesmo assim você anda, corre e até ama. Vale cair, ninguém vai ver. Vem, eu te ajudo a levantar, te abraço ou te recuso.

Só tem a gente aqui. Todos da sala sumiram e estamos em um espaço reduzido, o que nos ajuda a ficar mais próximos. Um passo só e pronto. A gente pode contar histórias no escuro. Eu posso contar um segredo barato. Vem. Ninguém está vendo, não se esqueça.


VS.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Dores, amores e a traição dos anos

E eu suspendi todas as dores e amores só para me sentir criança e ver se consigo sorrir como João. Naquela época, não tão distante mas já nostálgica, tudo parecia não doer. Dor era coisa de adulto e amor também. Eu amava canetinhas coloridas, cadernos e tudo que tinha brilho. Papai amava a mamãe. E a dor, ah, vinha de algo tão pequenino. Nunca nem mesmo ralei meu joelho.

João sorria e esbanjava verdade perto do meu sorriso construído. Mal feito. Mentiroso até. Eu achei que suspender podia curar. Que nada. Insisti no meu sorriso-de-um-momento-só enquanto fazia meu papel de irmã. Aquele menino lindo estava todo contente com sua primeira namorada, Laura. Ela mandava mensagens no celular dele de forma frenética. Ele respondia todas com cartas. Eu perguntei se as cartas eram um ato de romantismo ou apenas uma obediência porque papai não o deixa usar o celular para estas coisas. Ele me respondeu que a Laura é mais importante do que o papai. E eu resolvi acreditar que meu irmão é mesmo um Don Juan.

Enquanto eu folheava a revista que estava jogada no chão, João escrevia suas cartas. Uma letra tão miúda. Ele diz ter a ver com a idade. Quando ele crescer, a letra dele vai ser maior. Minha leitura sobre os eventos culturais indicados pela revista era concentrada. Eu definitivamente precisava correr para algum deles. Naquele momento, topava até evento de agropecuária. João interrompe o silêncio com voz de bom menino:

 - Vem ler as minhas cartas pra Laura!
 - Já vou.
 - Mas não sei se você vai entender, porque são de amor.
 
Eu estava concentrada demais em buscar algum evento bacana na cidade.

 - Desencana, você não vai entender mesmo.
 - Eu sou quase uma idosa perto de você João. Claro que vou entender.
 - Mas é sobre amor, Vaio (é assim que ele me chama).

Me dei conta do que eu acabara de ouvir do meu próprio irmão, que tem mais de dez anos a menos do que eu. Fiquei presa em um silêncio que resgatou todas as dores do mundo só para mim.

 - Quando eu tiver redação pra escrever pro colégio eu te mostro. E depois eu te ensino a escrever as cartas, tá?  - ele dizia sem nem tirar os olhos do papel.

Eu só consegui concluir que as escolas não devem pedir redações com o tema "amor" e que aquele menino que tinha acabado de largar as fraldas tinha absoluta certeza que a irmã dele era um fracasso no assunto. Seria eu previsível ou ele um gênio?

 - Eu te amo, boboca. - disse quase sem voz.

E aí terminou meu sorriso. Os sorrisos estão em falta por tempo indeterminado.

VS.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sem nome, ela faz faculdade da vida

Ela tem uma estrada enorme pela frente. A mais arenosa possível. Para cada quilômetro de paisagem cinza e vazia, há um posto onde se vende mais cerveja do que gasolina. Sua vida tem cara de Texas e cheiro de suor, escapamento e poeira. Brilha a cada metro percorrido, dentro do seu carro roxo com estofado de oncinha.

Muito roxo pra muito cinza texano. Muito rock para o silêncio e country local. Ela coloca as vacas pra dançar, arremessa seu par de salto alto longe, exibe seu vestido rosa de bolinhas e bebe cerveja no gargalo. Cada homem gordo e vermelho deseja ter um momento com ela, mas já foi avisado, fique bem longe. Ninguém entra nesse mundo. Só com senha e ela entrega pessoalmente o passe. Não perca tempo na fila. Ela já saiu e não tem data pra voltar!

Entre uma parada e outra na estrada, alguns cruzam o seu caminho. Todos sempre olham primeiro para ela, depois para o seu carro. Ela fuma mais do que bebe água, tem febre duas vezes por ano e não tem qualquer paciência para pessoas que falam baixo. Tudo porque ela escuta mal. Ela diz que é porque ouve música alta desde criança. Eu já acho que ela nasceu assim.

Não olhe demais. Pode fazer mal. Tem veneno que mata. Desafie:analise e se veja na posição de ter que escolher. Aconselho a fugir da escolha. Não faça isso. Ela fez faculdade da vida e pode te mandar correr. Ela vai te mandar correr.

Você gosta da obsessão dela. Consuma. Quer o amor dela. Não peça. Ela não vai te perceber assim. Ela conhece mais cobras do que gente. Nesse mundo se fala outra língua. Não é assim que se convida alguém para jantar.

VS.

Naquela noite

para diego

Quando você atravessou a rua e eu não.
Quando você subiu naquela moto nova e partiu.

Uma única noite tão longa e arrastada para uma vida. Acho que você sempre contemplou mais a noite mesmo. Devia saber achar As Três Marias e o Cruzeiro do Sul.

Já volto para contar essa história.

VS.