segunda-feira, 23 de março de 2009

Dores, amores e a traição dos anos

E eu suspendi todas as dores e amores só para me sentir criança e ver se consigo sorrir como João. Naquela época, não tão distante mas já nostálgica, tudo parecia não doer. Dor era coisa de adulto e amor também. Eu amava canetinhas coloridas, cadernos e tudo que tinha brilho. Papai amava a mamãe. E a dor, ah, vinha de algo tão pequenino. Nunca nem mesmo ralei meu joelho.

João sorria e esbanjava verdade perto do meu sorriso construído. Mal feito. Mentiroso até. Eu achei que suspender podia curar. Que nada. Insisti no meu sorriso-de-um-momento-só enquanto fazia meu papel de irmã. Aquele menino lindo estava todo contente com sua primeira namorada, Laura. Ela mandava mensagens no celular dele de forma frenética. Ele respondia todas com cartas. Eu perguntei se as cartas eram um ato de romantismo ou apenas uma obediência porque papai não o deixa usar o celular para estas coisas. Ele me respondeu que a Laura é mais importante do que o papai. E eu resolvi acreditar que meu irmão é mesmo um Don Juan.

Enquanto eu folheava a revista que estava jogada no chão, João escrevia suas cartas. Uma letra tão miúda. Ele diz ter a ver com a idade. Quando ele crescer, a letra dele vai ser maior. Minha leitura sobre os eventos culturais indicados pela revista era concentrada. Eu definitivamente precisava correr para algum deles. Naquele momento, topava até evento de agropecuária. João interrompe o silêncio com voz de bom menino:

 - Vem ler as minhas cartas pra Laura!
 - Já vou.
 - Mas não sei se você vai entender, porque são de amor.
 
Eu estava concentrada demais em buscar algum evento bacana na cidade.

 - Desencana, você não vai entender mesmo.
 - Eu sou quase uma idosa perto de você João. Claro que vou entender.
 - Mas é sobre amor, Vaio (é assim que ele me chama).

Me dei conta do que eu acabara de ouvir do meu próprio irmão, que tem mais de dez anos a menos do que eu. Fiquei presa em um silêncio que resgatou todas as dores do mundo só para mim.

 - Quando eu tiver redação pra escrever pro colégio eu te mostro. E depois eu te ensino a escrever as cartas, tá?  - ele dizia sem nem tirar os olhos do papel.

Eu só consegui concluir que as escolas não devem pedir redações com o tema "amor" e que aquele menino que tinha acabado de largar as fraldas tinha absoluta certeza que a irmã dele era um fracasso no assunto. Seria eu previsível ou ele um gênio?

 - Eu te amo, boboca. - disse quase sem voz.

E aí terminou meu sorriso. Os sorrisos estão em falta por tempo indeterminado.

VS.

Um comentário:

D. disse...

Bom o texto, Lu!

Que bom que tudo aqui é ficção. Assim os sorrisos não deixam de brotar nunca!

Beijo.