Dez anos depois e ela se vai. Os primeiros sinais da doença são observados, mas pouco compreendidos. Na falta de algum entendimento, havia graça. A falta de memória foi interpretada como distração. Ela adorava assistir novelas. Assistia todos os dias. De repente, não sabia o que o galã da novela estava fazendo naquele capítulo. Ué, ele sempre esteve lá, desde o início da novela. Ela já não lembrava disso. O galã que todos já estavam cansados de ver era um novo personagem para ela a cada dia.
O fogão aceso após terminar de cozinhar o almoço. A casa quase fica em chamas. Aquela fumaça toda e a notícia de que ela sofre de Mal de Alzheimer. Foram quatro anos tentando driblar as dificuldades e mais seis sofrendo ao vê-la internada em uma clínica. O marido já não era mais marido. Os filhos eram “os meninos” e depois mais nada. Os netos eram “bonitinhos” e logo esquecidos. A última a ser esquecida foi Célia, irmã do seu marido e companheira desde a infância. O que era lembrado era o grito de Celinha apenas. Celinha gritava “Maria Eliza” e minha avó respondia com um olhar, mesmo que fosse um olhar de quem já não estava mais lá.
O tempo passa de forma lenta. Bastante lenta. Minha avó tem setenta e quatro anos, mas parece ter cinco. Deitada em uma cama já sem qualquer movimento. É difícil respirar, a deglutição já quase não funciona, mas o coração ainda bate. O coração bateu todos os dias mesmo sem qualquer memória. Bateu, resistiu, agüentou e parou sábado à noite.
Deixar sem saber. Partir sem lembrar. Ir-se.
VS.
3 comentários:
triste... :-(
bjins e good vibes pra vc
Que bonito e triste ao mesmo tempo. Take care!
bjs
:0(
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